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A História de Serena Macbeath et al.




quando todos nós deixarmos de andar à pressa a fazer as nossas coisas

e começarmos a pensar em conjunto sobre a escola,

poderemos fazer uma escola melhor

(MacBeath, Meuret, Schratz & Jakobsen, 2005)

 

                    

 

                      A frase em epígrafe veste a tese defendida nesta obra (MacBeath, Meuret, Schratz & Jakobsen, 2005). Podemos fazer uma escola melhor. Sob uma condição.

                     Serena é uma personagem, eventualmente fictícia, cuja narrativa se adapta, nas mãos de cada tradutor, em cada país, à realidade local. A História de Serena abre-se como uma apologia à auto-avaliação, à “metacognição” (p. 51), a primeira palavra-chave desta obra (a condição) - “descobrir como é que a escola se vê a si própria” -, apologia partilhada, por exemplo, por Leite, Rodrigues e Fernandes (2006), como uma das estruturas a privilegiar no contexto de uma avaliação que tenha como finalidade a conquista da “melhoria da qualidade da educação” (p. 21). Auto-avaliar, portanto, para melhorar, mais do que para “prestação de contas” (p. 170).

                     Serena foi eleita como representante da sua turma num projeto europeu para “Avaliação da Qualidade na Educação Escolar” (p. 303), que a levaria a Viena, tempos depois, com os demais representes de 101 estabelecimentos de ensino – quatro de Portugal - de um total de dezoito países implicados; o “projecto maravilhoso” chegou àquela escola como consequência de um trabalho de auto-avaliação, já iniciado pelo professor de História (que acumulava Literatura), do qual as autoridades tiveram conhecimento. (As oportunidades não nascem de forma espontânea, por norma)

                     Num processo complexo de “Triangulação” (p. 66), a segunda palavra-chave, em sucessivas reuniões, no país e em Viena, com registos contínuos, inúmeras questões são levantadas, permanecendo a falta de consenso, muito para além destas páginas, quanto, e a título de exemplo, ao como medir os resultados escolares e, neste contexto, à noção de “valor acrescentado” (amplamente discutida em Lima, 2008). A subjetividade da avaliação está patente nas interrogações socráticas que se semeavam: “Serena, achas que a escola contribuiu para o teu desenvolvimento pessoal e social?” (p. 45); a questão poderia ter sido colocada de uma outra forma: Serena, a tua escola, a tua “organização aprendente” (p. 148), faculta uma “Educação para a vida” (p. 166), ou preocupa-se apenas com a “Educação para o trabalho” (p. 163)? Educação humanista ou educação neo-liberal (Lima, 2008)? Como encontrar evidências para itens como este. As questões continuam (agora em Viena): (i) quem avalia melhor? (ii) O que fazer com os resultados de uma avaliação? E, antes disso, (iii) como medir a eficácia de uma escola (quais as variáveis)? Sobre o quem avalia, e não esquecendo a importância da triangulação, a obra ressalta um dos intervenientes: “os juízos feitos pelos alunos (…) [estão] muito mais corretos (…) do que o dos outros actores” (p. 152). No que respeita às implicações da avaliação, são mencionadas as consequências deste projeto em algumas das escolas referidas. A resposta à última questão vai ao encontro da conclusão que poderá ser retirada de Lima (2008): não há qualquer “receita para a criação de escolas mais eficazes” (Sammons, Hillman & Mortimore, p. 191, citados pelo Lima, 2008), na medida em que, como se defende aqui, “Temos de ser nós próprios a descobrir o que interessa às nossas escolas” (p. 145). Cada escola, para si. Autonomia.

                     É em Viena que Serena constrói mais uma sinapse de todo este processo. À auto-avaliação alia-se agora a “eficácia” (p. 125), terceira palavra-chave, definida como sendo uma característica que acompanha as escolas “em que os alunos progridem mais rapidamente do que o esperado” (p. 127), sentido que vai ao encontro do exposto em Lima (2008). Este esperado é entendido como sendo o que, à partida, e tendo em conta o “background social ou cultural” (p. 128) de cada aluno, será expectável. A escola eficaz será aquela que supera essas espectativas. Ao contrário de Lima (2008), que parece fazer equivaler uma boa escola a uma escola eficaz, nesta obra, contudo, advoga-se que o adjetivo “boa” (p. 131) é mais abrangente, porque nem todas as escolas eficazes são boas, pelo menos para alguns alunos. Mas todas podem melhorar, processo que tem início “quando termina a discussão sobre a eficácia da escola, mas não avança sem os seus pressupostos” (p. 147).

                     Entretanto, a revolução que tivera início com António Gil tornara-se já verdadeiramente audível. A condição para a confirmação da tese. Por exemplo, a “observação por pares” (p. 81), um dos cinco modos de avaliação de que Mathers, Oliver e Laine (2008) falam, e que estava entre os trinta instrumentos sugeridos no “Guia de Orientações europeu”, começou a ser implementada por um conjunto de professores voluntários, progressivamente ampliado. Uma clara referência ao “processo supervisivo” (Reis, 2011), que tem estado absolutamente ausente da nossa avaliação de desempenho docente (ADD): “avaliação para a aprendizagem” (…) [e não] da aprendizagem” (Weeden et al., citado por Vilas Boas, 2008), coordenado por um “amigo crítico” (p. 99), ou seja, “alguém «neutro» de fora da escola” (p. 182).

                     As mudanças estão connosco, dentro de nós, como se diz na tal corrente (“Flow”, p. 95), na alusão explícita a Csikszentmihalyi (1997).

                    

                       Do tanto que é esta obra, saliento três pontos: (i) as reflexões de Serena, (ii) uma máxima e (iii) uma linha de força.

                     Primeiro. Reflexões de Serena, nem aparentemente ingénuas, desferem dardos contra o modelo dominante (Azevedo, 2011), dos que amaldiçoam as tentativas de largadas do Restelo (“Eu acho que as coisas estão bem assim como estão”, p. 47), quanto às formas de aprender: “talvez metade daquilo que aprendo seja fruto do que faço em casa (…), durante o meu tempo de estudo” (p. 46). José Pacheco, o criador do projeto Escola da Ponte, já em 1976, percebera que “dar aulas é inútil e prejudicial” - uma apologia aos modelos construtivistas e, por conseguinte, à mudança: “concentrar-nos nos estudos em vez de estudar” (p. 60).

                     Segundo. Quando algo muda, tudo muda; não foi apenas a Escola que mudou; as restantes relações para além do espaço físico da Escola mudaram também. Corrente – “Flow” – ou corrente – chain?

                     Terceiro: a urgência da descentralização da educação. Como consequência da mudança iniciada nos anos sessenta, na “expansão da escola de massas”, as estruturas que detêm a responsabilidade pela educação, a díade de hoje, Estado (“Estado-Providência”) e Escola (“serviço periférico do Estado”), terão de redefinir papéis, quase inverter: que as escolas se munam de “dirigentes e gestores com elevados níveis de qualificação no domínio das diversas vertentes da gestão escolar”. Contudo, sabemos já que não serão os diplomas a realizar estas mudanças. Apela-se, portanto, à ação, não apenas direcionada. É a falta de agir sem diretrizes externas (algumas vezes apesar de diretrizes externas) que leva a um tardar na construção da autonomia. (A escola de Serena integrou o projeto porque alguém soube que naquela escola já havia essa vontade) Nem que seja só um António (Gil). Corrente, cadeia. Reação.

 

 

                                                                                                                                                                                                               Fátima Almeida*2013

 

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