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Liberdade e Política Pública de Educação Joaquim Azevedo



                                                  Nenhuma instituição social fez tanto pela democracia e pela cultura, em Portugal, como a escola portuguesa!

                                                                                                                                                                                                             (Joaquim Azevedo)

 

           Esta obra de Joaquim Azevedo, mais do que apontar o dedo ao grande culpado pelo caos da Escola – que também o é -, a política (“Estamos politicamente bloqueados”, p. 24), surge como uma partilha de certezas, sob a forma de inquietações, para a “melhoria radical e sustentada” (p. 30) da Escola em particular e da Educação em geral; de caminhos até ao futuro, múltiplos: “a solução não existe” (p. 24).

          Mas o culpado existe. O ponto de partida está, portanto, encontrado, e, se dúvidas há sobre o que mudar (para melhorar), agarremo-nos às certezas - comecemos por “dizer não aos gabinetes e às suas medidas avulsas” (p. 30), às vontades inadmissivelmente interventivas do “Estado Educador” (p. 149), “que mudam ainda mais vertiginosamente do que em qualquer outro sector das políticas públicas” (p. 44). Quase como, atrever-me-ia a comparar, uma espiral inflacionária legislativa (o que hoje é complexo, amanhã ainda é mais) - com a (consequente) deflação da qualidade de ensino…

         (Des)Responsabilização, autonomia, modelos, anacronismos, Escola, Estado (quase Escola VS Estado), sociedade, educar, mudança, melhoria. Liberdade. Palavras (chave), apetece-me dizer - importantes, todavia -, de um discurso, como outros, que nunca saem de punhados de folhas. Como seria se mais escolas quisessem fazer a ponte à procura, efetivamente, do outro lado?

          Todo o ensaio é a construção e desconstrução desta tese: nada melhorará – apenas mudará – se não se permitir uma “autonomia construída” (p. 108), que se sobreponha a “autonomia decretada” (p. 107); se não se substituir o paradigma dominante, “modelo normativo, providencial (elitista e iluminado), autoritário e estatista” (p. 194), pelo paradigma emergente, a que denomina “o paradigma da melhoria gradual” (p. 114).

A tese da necessidade de mudança do paradigma instituído de escola assenta em dois fundamentos: (i) “A educação é (…) o encontro entre duas liberdades (p. 125) - educar é libertar (eis a missão da escola, segundo o autor) – e (ii) não é ao Estado que compete, em exclusivo, “A promoção do bem público educacional” (p. 164); pugna-se, no contexto deste último pilar, pela “responsabilidade social na educação” (p. 190), isto é, dar mais autonomia – leia-se liberdade – aos cidadãos.

            Na sua deambulação pela etiologia desta crise – longa (falo da crise) -, Joaquim Azevedo traça o quadro do modelo dominante: encontramo-nos numa “transição cultural” (p. 37), afirma, que se traduz na elaboração de um quadro teórico assente na escola para alguns, a “escola do meu tempo” (pp. 40 e 103), do tempo dos que criam estas leis, para ser implementado na escola de hoje, que “acolhe todos” (p. 39). O “modelo moderno de educação escolar” (p. 33) é, portanto, “anacrónico” (p. 41), para além de “burocrático e tecnocrático”, “centralista e jacobino” (p. 46), “que corrói a liberdade de iniciativa” (p. 62), herdado “do salazarismo: uma máquina controlada politicamente” (p. 53). É o paradigma de submissão, em que a autonomia das escolas é nula, como referiu o Prof. Afonso Batista. É o modelo da “desconfiança” e da “irresponsabilidade” (p. 78), “Ninguém é responsável por qualquer coisa (…) que aconteça” (p. 86) – tão português…. Da “hipocrisia organizada” (citando Brunsson, 2006, p. 83): “O discurso vai num sentido, a decisão vai noutro e a acção segue um terceiro”.

             Melhorar – não (apenas) mudar. E o paradigma que se propõe, este paradigma a que chamei emergente, citando o Prof. Afonso Batista, terá de ser algo diferente do que existe (o dominante), mas diferente também dos “modelos de autonomia escolar que encerram as instituições educativas sobre si mesmas” (p. 192). Uma melhoria global pelo bem comum, com um papel ativo da escola, que “deve estabelecer obrigatoriamente um plano de melhoria gradual” (p. 246) de “(i) responsabilização dos professores pela educação escolar das novas gerações (…); (ii) autonomia real das escolas (…); (iii) (…) gestão profissional das escolas (…); (iv) administração educacional profundamente reestruturada (…); (v) (…) quadro facilitado pela reestruturação (…) revalorização dos melhores professores (…), das melhores práticas de educação e de ensino, de gestão e de desempenho profissional (…) (vi) (…) construção social gradual e anual de planos de melhoria, escola a escola (…) (vii) diversidade de escolas e de contextos” (p. 115).

          Para além da questão que já introduzi no início deste texto – palavras… -, e se nos vestirmos da mesma vontade de não desistirmos “do futuro” (p. 36), há algumas (múltiplas) questões que me surgem ao ler este manifesto pelo “paradigma da melhoria gradual”, como, por exemplo, esta: no que respeita à “revalorização dos melhores professores”, pergunto o que acontece quando os que não obtiverem tão boas avaliações boicotarem o trabalho colaborativo, tão (legitimamente) defendido também neste livro? (Nem sempre esse boicote é visível…) De facto, a integração do processo avaliativo num “compromisso social” (p. 291), caminho defendido por Joaquim Azevedo, faz-me lembrar o princípio da procura da felicidade de todos os agentes implicados, dado como pilar de uma avaliação ética (como o deverá ser toda a avaliação… pois); a tal questão de que toda a avaliação (ética) deverá mover-se pela Golden Rule dos princípios éticos, que é o que Confúcio afirmou: "Aquilo que não desejas para ti, também não o faças às outras pessoas" – e eu questiono: no futuro, o que prevalecerá, Confúcio ou o EU? No presente, a resposta já está dada.

              Se se tivesse por princípio aquele princípio a avaliação era desnecessária.

             Numa altura – já demasiado prolongada – em que se discutem caminhos, com “Balelas” (p. 62), culpando-se as Ciências da Educação (“Como se as filas de espera nos hospitais fossem culpa das ciências médicas”, p. 61) pelo “desastre educacional”, este ensaio de Joaquim Azevedo, acutilante, mas construtivo, encerra, em sucessivas paráfrases – não tautológicas, porque amplificadoras –, vários caminhos, que é urgente considerar.

 

 

                                                                                                                                                                                                                              Fátima Almeida*2013

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